domingo, 6 de fevereiro de 2011

Cisne Negro (Black Swan) - Uma (Quase) Mulher Sob Influência

Darren Aronofsky é especialista em emular na estética o interior de seus protagonistas, que, invariavelmente, são frutos do que os cerca e os consome, mas o são por pura opção. Assim é com os dependentes químicos de Requiém Para Um Sonho ou com Randy "O Cordeiro" Robinson de O Lutador. Assim é com Nina Sayers de Cisne Negro.

Nina é uma bailarina que confunde dedicação com obsessão, que não enxerga limites para conseguir o que quer, ou seja, ser perfeita. Porém até mesmo seu ideal de perfeição é alvo de ressalvas. Ela precisa provar para a companhia da qual faz parte que é capaz de incorporar tanto o cisne branco quanto o cisne negro, na nova versão de O Lago dos Cisnes que está sendo montada e que promete apresentar um novo talento após a saída da até então rainha da companhia.

Apesar da grande credibilidade que Aronofsky tem com o público, ninguém poderia prever o enorme sucesso que Cisne Negro vem fazendo nas bilheterias (está próximo da marca de 100 milhões só nos EUA). Antes mesmo de estrear, o filme já colecionava fãs, o que, se tratando de um filme sobre uma arte tão clássica quanto o ballet e com orçamento tão enxuto, é um fenômeno. O fato é que, além de contar com Natalie Portman no papel principal, Cisne Negro realmente dialoga com todos os públicos, tudo graças ao talento e estilo de seu realizador.

Nas mãos de Aronofsky, o thriller psicológico sobre uma bailarina se transforma em um angustiante e assustador pesadelo, capaz de fazer o espectador virar o rosto. Tons macabros e sustos se intercalam com sequencias de dança onde a câmera participa ativamente, dando a noção da dificuldade das coreografias. Natalie Portman, luminosa, carrega toda a pressão e sofrimento da personagem em uma silhueta raquítica. Tudo nela é frágil e vulnerável, do tom de voz aos tímidos e medrosos olhares. O restante do elenco, em contrapartida, rivaliza pelo posto de mais ameaçador. Seja Winona Ryder, mais linda do que nunca, como a desequilibrada estrela da companhia; seja Vincent Cassel, que se impõe com sua virilidade e sabedoria no papel do diretor da companhia; seja uma renascida Barbara Hershey, como a castradora mãe da protagonista; seja Mila Kunis, sexy e desinibida, que encanta na mesma medida que apavora Nina. Todos intensificam a sensação de que Portman está prestes a quebrar, como uma boneca de porcelana.

Aronofsky possui a habilidade de encher os olhos do público, de mantê-lo em estado de choque e apreensão, porém, diferente de certos diretores aclamados como gênios por uma geração sem muito conhecimento de causa, Aronofsky realmente fundamenta seu espetáculo em solos densos.
O filme abre com o sonho da protagonista, do interno para o externo. Contudo, a trama passa a constestar seu início, afim de estudar esse mecanismo. Há basicamente dois níveis nessa questão: relações interpessoais e ambientes. Tudo é sugado pela mente de Nina e distorcido, no que um sem fim de espelhos imprimem as dimensões da mente em ruínas da heroína. Nina é um personagem trágico e Aronofsky levará isso às últimas consequencias, ou seja, ao palco, onde o artista morre para dar vida a outro ser, muito maior e importante naquele espaço físico e temporal. O artista é trágico por definição , substituível e descartável, uma vez que está ali apenas como um meio para um fim. É o que acontece com a rainha da companhia, que deposta de seu trono, começa a ser consumida por vaidade e egoísmo.

O agravante aqui é que Nina é muito mais menina do que mulher. Do seu quarto, em tons de rosa e repleto de bichos de pelúcias, até a maneira submissa com que acata qualquer decisão da mãe, tudo leva crer que a moça de 28 anos ainda não completou sequer uma década de vida. E é logo dessa criança em corpo de mulher que será exigido a dolorosa mutação.

Aronofsky utiliza-se de inúmeras alegorias, mas as insere na ação e é daí que nasce seu diálogo tão fluente com a platéia em geral. Não são concessões afim de agradar as massas, mas um inteligente balanço entre conteúdo e forma.

Sob seu comando, tudo é possível, tudo é real - mas, sobretudo, tudo tem um porquê. Nada mais justo do que conceber, literalmente, aplausos para sua equipe e para si próprio. Afinal, Aronofsky compreende que, por mais deslumbrante que seja a farsa, algo deve sobreviver e ser preservado ao seu término, coisa que sua heroína é fatalmente incapaz de compreender.

FONTE: PARANÁ ONLINE

Nenhum comentário: